O primeiro abalo ocorreu há uns 10 anos atrás, quando começaram a aparecer notícias sobre casos de pedofilia, inclusive entre o clero dos USA. Aos poucos foram explodindo outros escândalos em vários países, mormente anglo-saxões. A última avalanche de denúncias provém da Alemanha e da Irlanda. Claro que diante da gravidade dos fatos os papas não poderiam ficar calados. Foi assim que o Papa João Paulo II, rodeado de todos os cardeais dos USA, não usou de meias palavras: a pedofilia é um crime e um pecado.
Agora, no dia 20 de março, em carta dirigida à Igreja da Irlanda, o Papa Bento XVI dizendo-se angustiado, envergonhado, também foi contundente na condenação: nós nos encontramos diante de crimes atrozes. E indignado declara: "vós desonrastes a igreja e perdestes a confiança do vosso povo."Diante de fatos inegáveis com certeza muitos são os que se perguntam: mas afinal, como entender tamanhas aberrações? O que está ocorrendo no mundo e na própria Igreja? Como procederá a Igreja?
Para entender a situação, sem negar em nada nem a gravidade nem amplitude, é preciso, antes de mais nada, colocar os fatos agora vindos à tona num contexto mais amplo. Esse contexto nos assegura que as crianças se transformaram numa espécie de produto tentador para satisfazer as exigências do desregramento sexual, que atinge proporções alarmantes.
Em alguns lugares já se começam a implantar terapias especializadas visando o controle de impulsos aberrantes ligados ao sexo.O sexo qualificado como normal parece estar cedendo lugar a formas sempre mais refinadas para quem já se cansou dele. E aqui entra a pedofilia, como expressão máxima no campo das patologias sexuais, e que se faz presente em todas as camadas da sociedade e em todas as profissões.
O fenômeno tomou proporções de verdadeira epidemia, e através da Internet se transformou numa espécie de indústria comandada por verdadeiras máfias, e vitimando milhões de crianças. O denominado turismo sexual, tão conhecido no nosso litoral brasileiro, é apenas uma das muitas expressões da praga da pedofilia. Diante do fato de isto estar ocorrendo também em certos ambientes de Igreja, naturalmente as perguntas que se colocam é o que fazer visando conter esta onda devastadora. E é claro que ninguém conta com respostas prontas e acabadas, pois nas proporções atuais trata-se de um fenômeno novo, e que remete para as raízes mais profundas da maldade humana.
Nos dois casos, isto é, da Igreja e da sociedade, não há muita dúvida quanto ao aspecto punitivo: aplicar estrita e duramente as leis existentes, tanto nas Constituições, quanto no Direito Eclesial. No que se refere mais especificamente à Igreja, há pouco mais de 1 ano atrás, o cardeal brasileiro, D. Cláudio Hummes, no programa televisivo "em pauta", da Canção Nova, foi claro e incisivo: que os pedófilos peçam desligamento do sacerdócio ou da vida religiosa, assumindo eles mesmos sua responsabilidade, ou serão demitidos e entregues à justiça civil.
Entretanto, dada a gravidade do problema social e eclesial, só a punição, por mais severa que seja, não é suficiente. São necessárias outras medidas, de caráter preventivo. Urge juntar todas as forças para oferecer uma verdadeira educação da sexualidade, através da educação para o amor. Isto significa montar todo um esquema que comece desde a infância e se estenda até as pessoas maduras, ou até de mais idade. Além disso, não podemos esquecer que o desregramento no campo da sexualidade nunca anda sozinho: ele é apenas uma das expressões de um mundo brutal, onde a ética deixou de ser uma preocupação.
A única norma vigente em quase todos os campos é uma espécie de "vale tudo". Uma corrupção reforça a outra. Por isso mesmo são urgentes ações de cunho mais amplo e mais profundo no sentido de um novo processo de humanização que começa pelo respeito profundo a si próprio e aos outros, mormente às crianças indefesas. E nunca é demais lembrar uma palavra do mesmo Jesus que disse "deixar vir a mim as criancinhas porque delas é o Reino dos céus: " Ai do mundo por causa dos escândalos... quem transviar um destes pequeninos... mais valeria que lhe pendurassem uma pedra de moinho ao pescoço e o jogassem no fundo do mar" ( Mt. 18, 6-7).
Prof. Dr. Frei Antônio Moser, OFM
Diretor Presidente da Editora Vozes
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