sábado, 9 de janeiro de 2010

VIDA ORIENTADA PELA PALAVRA DE DEUS

Quando se trata de um uso pessoal da Palavra de Deus, para sua própria vida, o melhor é começar a utilizar a Palavra que a Igreja nos oferece através da liturgia: a liturgia das horas, a missa... Com freqüência, o Senhor, para falar, se serve da escolha da Igreja, das leituras do dia.

Escutar com os ouvidos atentos as leituras do dia com freqüência revela uma resposta a um problema particular. Uma palavra parece feita à nossa medida até o ponto de que às vezes se diz: «Isso foi escrito para mim!». Portanto, deve-se valorizar a escolha comunitária, não pessoal, feita pela Igreja na liturgia.

Depois está a escolha pessoal, ou seja, reler as passagens da Escritura que no passado tiveram importância para nós, que nos interpelaram. Com freqüência, o Senhor volta a falar através dos próprios textos para dizer-nos coisas novas e adaptadas às situações que estamos vivendo. Portanto, devem-se valorizar as palavras de Deus que no passado foram para nós indicações importantes.

Há outro meio que é utilizado na Renovação Carismática, ainda que não só nela: consiste em rezar e, depois de fazer um ato de fé, abrir a Bíblia, pensando que se vai encontrar uma resposta do Senhor, ou inclusive, dizendo que se tomará como Palavra de Deus para nós a que cai ante nossos olhos. Não é um meio que a Renovação Carismática inventou hoje. Por exemplo, é o que aconteceu com Santo Agostinho, que no momento crucial de sua conversão, abriu as cartas de São Paulo decidido a tomar como vontade de Deus a primeira passagem que lesse.

Tocou-lhe Romanos 13, onde se diz «Nada de orgias, nada de bebedeira; nada de desonestidades nem dissoluções; nada de contendas, nada de ciúmes», «revistamo-nos das armas da luz». Ao ler a passagem, experimentou como lhe penetrava uma luz e uma serenidade que lhe permitiram compreender que podia viver casto.

O mesmo aconteceu com São Francisco de Assis. Quando ainda não sabia o que fazer, foi a uma igreja e abriu três vezes o Evangelho e cada vez caiu em uma passagem que falava do envio dos apóstolos sem bastão, sem bolsa, sem dinheiro, sem duas túnicas. E ele disse: «Isto é o que o Senhor quer para nós».

Mas os exemplos se multiplicam até nossos dias. Teresa de Lisieux não sabia o que fazer, abriu a Carta aos Coríntios e nela encontrou sua vocação a ser o coração, a ser a caridade.

Eu tive muitas confirmações pessoais e também de outras pessoas que encontraram na Bíblia a Palavra de Deus. Não me canso de repetir um episódio muito interessante. Estava pregando em uma missão na Austrália, e durante o último dia veio ver-me um operário, uma pessoa muito simples, para dizer-me que tinha um problema grave em sua família. Tinha um filho de 11 anos que não estava batizado, pois sua mulher se havia tornado testemunha de Jeová e não queria o batismo. Disse-me: «O que faço? Se o batizo haverá um problema, se não o batizo não posso ficar tranqüilo, pois quando nos casamos nós dois éramos católicos». Eu lhe disse:

«Deixe-me refletir esta noite».

No dia seguinte, quando chegou, disse-me: «Padre, encontrei a solução. Ontem, quando cheguei em casa, rezei, depois abri a Bíblia e me apareceu o episódio no qual Abraão leva Isaac à imolação. E vi que quando Abraão leva Isaac a imolar, não disse nada à sua mulher».

Era um discernimento perfeito, pois, de fato, os rabinos dizem que Abraão não disse nada precisamente para evitar que a mulher o impedisse de obedecer a Deus. Eu mesmo batizei a criança.

Naturalmente, é preciso evitar um uso mágico da Escritura, abri-la sem ter rezado. Esta utilização da Escritura só pode ter lugar quando se vive em um clima espiritual de obediência a Deus.

Com Deus não se brinca, a Deus não se interroga de brincadeira, se interroga antes de tudo porque se está decidido a fazer o que Ele nos dará a entender. Como se pode ver, há muitos métodos, desde o público ao mais pessoal, para orientar a própria vida com a Palavra de Deus.

Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap
Pregador da Casa Pontifícia (Vaticano)

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